sábado, 8 de março de 2014

Voinho e Voinha

Painho sempre foi muito apegado a mãe dele, ele é aquele tipo de homem que nunca corta o cordão umbilical. Voinha também foi aquele tipo de mulher que nunca cortou o cordão. No final das contas quando ele casou comprou uma casa bem próxima a dela e graças a isso minha infância foi marcada pela presença mais que constante de Voinha, Voinho, para o mal e para o bem também.

Os dois eram evangélicos, se converteram a uns 50 anos atrás um pouco antes ou depois de chegarem em Recife vindos do interior da Paraíba  Eles foram membros quase que fundadores da Assembléia de Deus daqui de Nova Descoberta e graças a isso eu vi e vivi experiencias curiosas dentro dessa denominação.

Tenho muitas lembranças agridoces relacionadas a essa igreja. Lembro de quando o templo era bem pequeno, lembro de como a comunidade religiosa foi crescendo... crescendo.... crescendo... Do esforço para comprar um templo maior, da aposentadoria do antigo pastor, da posse do atual, de como essa denominação foi subindo os morros, ganhando respeitabilidade dentro do bairro, da cidade, do estado, se consolidando... A história da vida de Voinho e Voinha, a minha história, se confunde com a história da presença dessa denominação aqui em Nova Descoberta.

Voinha não era muito de estudar a Bíblia, ela era muito mais de observar e criticar as hipocrisias do ministério. Crescer com uma pessoa assim me faz olhar as coisas por um angulo muito particular, eu acho. Ela nunca foi amante das aparências rutilantes, sempre preferiu fazer disso piada e chiste para desespero de Voinho, um homem severo.

Só de lembrar das discussões deles eu começo a ri sozinha. Minha avó tinha um talento nato para a tiração de onda e sempre que faço um comentário jocoso, carregado de acidez, daqueles de fazer furo em chapa de aço, Mainha diz: "Eita! É Rita mesmo! É a evolução!".

As vezes eu me pego pensando em Dona Rita... Em seu jeito de ser! Ela era insatisfeita, vivia pensando nos outros, super mandona, incompreendida pelos filhos... pelos netos... por mim... Tantas coisas que eu não sabia... tanta incompreensão... Hoje eu sei... Sinto saudades de ganhar uma sombrinha e uma "irritante" repreensão "Vê se dessa vez não perde!" no meu aniversário.

Já Voinho era um estudioso da Bíblia. Comecei a ir a Escola Dominical com ele e com ele frequentava os cultos de doutrina. Na casa dele ouvia sentada no colo as histórias da Criação, Dilúvio, Torre de Babel, Moisés, Josué, Raabe, Ana, Samuel, Saul, Raquel, Davi [como eu amei Davi, como odiei Davi, como eu me identifico com Davi], Jesus, nascimento, vida, os encontros e milagres de Jesus, a Morte e Ressurreição, Paulo.

Embora a convivência nem sempre tenha sido positiva, ou fácil, tenho lembranças muito boas de meu avô. Ele foi um homem forte, sólido. Me colocava no colo, contava as histórias e ensinava a perceber o sentido delas. Era ele que me trazia para casa no colo quando eu pegava no sono antes do fim do culto e me socorria das ignorâncias de painho... As broncas não conseguiam fazer um NÃO do meu pai virá SIM, mas me dava muito prazer ver Painho ouvindo Voinho e Voinha calado (especialmente Voinha que sempre foi mais forte com painho).

Voinho tinha uma voz possante, um orgulho danado de pertencer a uma denominação tão respeitada como a Assembléia de Deus do Recife e foi muito duro ver toda essa força de titã indo embora em cinco 5 meses de sofrimento... Havia algo de muito errado em ver Voinho em cima de uma cama como um bebê super desenvolvido...

Enfim... devo a Voinha e Voinho muito do que sou... De Voinha eu herdei o temperamento... É inegável até na chatice... A Voinho a prática de ler a Bíblia e o conhecimento de seu texto... Graças a eles cresci junto aos anciões da Igreja e isso fez toda a diferença em minha vida e na forma como organizo, interpreto e pratico o evangelho.

Falar de Voinho e Voinha no passado doí demais. Talvez eu esteja sendo egoísta, afinal todos os anciões da Igreja sabem da inevitabilidade de seu encontro definitivo com Cristo e talvez até desejem esse encontro... Eles sabem da possibilidade de ver os céus abertos, descansar das dores dessa vida, ter o um novo corpo, receber um novo nome, ver a Nova Jerusalém, onde não existe Sol porque Deus é a própria luz, andar nas ruas de ouro e cristal, comer do fruto da Árvore da Vida e esperar em Deus pelo grande dia do Juízo... Mas... sinto saudades deles.

Enfim, também eles me ensinaram que a gente não morre e sim dorme no Senhor... Voinha e Voinho não estão mortos, eles apenas dormem e não dei adeus foi mais um até logo. Nós ainda vamos nos encontrar na Eternidade!
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P.S.: Eu escrevi esse texto há mais de um ano atrás, em 21 de outubro de 2012, de repente a saudade de Voinho e Voinha me fez lembrar dele. E eu resolvi traze-lo para cá, onde é reconfortante guardar lembranças.

13 comentários:

  1. Detalhes que ao momento ocorrido parecem pequenos e com o passar do tempo vão mostrando a sua presença na grandeza da lembrança.Só o tempo traz o amadurecimento do olhar.Doces momentos estes, Jaci.
    Um abraço,
    Calu

    Obs: vc poderia me mandar teu email?

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  2. Lindas tuas lembranças, momentos que vivenciaste e te marcaram, deixando saudades do voinho e voinha! beijos e

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    Parabéns pelo nosso dia!! chica

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  3. Bom, vc sabe que eu não gosto de falar muito de morte! Mas eu gostaria de ter mais fotos com os meus avós pra ter mais lembranças deles assim como vc tem Pandinha!

    Bonita postagem!

    Bjs, Mi

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    1. Mi, eu não tenho tantas fotos assim... essa bebê com voinha é Rafaela. A moça também :)

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  4. Linda homenagem aos seus avó jaci! O foda é tua vó ser "tiradora de onda" e ter o mesmo nome da minha mãe (tb tiradora de onda). Não acho que seja egoísmo sentir saudades, é que o mundo muda quando alguém importante se vai. Sentimos nos ombros a responsabilidade de tomar as obrigações deles para nós, afinal somos a nova geração né? E ainda não temos o conhecimento deles para assumir tudo isso. Quando chegar a época, espero que todos nós abracemos a morte com calma, como se fosse um amigo esperado (como fez o irmão perevell sabio em HP)

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  5. Putz! minha família também é todo mundo grudado, para o que der e vier.

    Acho que uma das melhores coisas da infância e ter contato com os avós, lembro com saudades dos tempos em que os meus oravam em sítio, como era bom passar lá os finais de semana...

    Jaci, teu texto me trouxe muitas boas recordações ;) dois abraços.

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  6. Olá, querida pandora
    Não tive apego aos avôs mas às avós, meu Deus! Quanta santidade nelas...
    Bjm fraterno

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  7. Muito fofo você chamá-los de voinha e voinha! Apaixonei.

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  8. História linda...quanto carinho!

    Voltarei mais vezes.
    Abraço,
    Claudia Marcia.

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  9. Oi, vim parabenizá-la por fazer parte do time da Elaine, gostei e já fui entrando.
    Desejo que seja muito abençoada, abraços carinhosos
    Maria Teresa

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  10. Oi, Pandora!
    A compreensão que tem sobre quem eram e como eram seus antepassados, faz com que compreenda melhor o seu ser. Eu convivi mais com a minha avó paterna que sempre ia para a minha casa quando ficava doente. Minha mãe cuidou dela como se fosse sua própria mãe. Os outros morreram antes que eu nascesse - lembro mais dos meus tios e eles eram bem severos. Tenho dois tios que são padres e apesar de ter crescido dentro do catolicismo, entrei em contato com várias religiões e filosofias. Hoje não sigo qualquer religião, mas acredito fielmente em Deus. Sobre a eternidade e "dormir no senhor" essa é a definição para a maioria das religiões - daí não entendo... se todas pregam a mesma coisa, porque tantas religiões?
    Quanto a saudade, fico com Rubem Alves: "A saudade é a nossa alma dizendo para onde ela quer voltar".
    Beijus,

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  11. Eu não conheci meu avô por parte de pai, e minha avó mãe do meu pai passou 18 ou 19 anos na cama devido a um derrame quando eu tinha apenas 1 ano de idade. Logo, ela nem lembrava de mim, às vezes, nem do meu pai, então, por mais que eu saiba que era a minha avó, não tinha tanta conexão, era difícil para uma criança criar laços unilaterais.

    Já os pais da minha mãe vivem no mesmo condomínio que eu desde antes do meu nascimento, e eles me criam até hoje. Meu avô é a melhor pessoa que eu já conheci na face da Terra, a vida sem ele simplesmente não tem sentido nenhum. Minha avó, tadinha, a gente bate de frente, mas se adora. Ela é uma pessoa bem mais difícil que meu avô, mas faz questão de demonstrar o quando gosta de mim, até me sufoca às vezes. Eu reclamo, mas sei que não posso viver sem eles.

    E tem a minha bisa, que só vem me falar de tragédia, mas também é um amor incondicional. Eu bem sei o que vc quer dizer quando fala de saudades, já que todos temos que viver com a ausência da minha mãe. É muito bom ter avós que te ajudem a passar pelas coisas <3

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  12. Doces lembranças que mostram as raízes de uma família sólida.

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