terça-feira, 25 de maio de 2010

Símbolos

Símbolos? Estou farto de símbolos... 

Álvaro de Campos

Símbolos? Estou farto de símbolos...
Mas dizem-me que tudo é símbolo,
Todos me dizem nada.
Quais símbolos? Sonhos. —
Que o sol seja um símbolo, está bem...
Que a lua seja um símbolo, está bem...
Que a terra seja um símbolo, está bem...
Mas quem repara no sol senão quando a chuva cessa,
E ele rompe as nuvens e aponta para trás das costas,
Para o azul do céu?
Mas quem repara na lua senão para achar
Bela a luz que ela espalha, e não bem ela?
Mas quem repara na terra, que é o que pisa?
Chama terra aos campos, às árvores, aos montes,
Por uma diminuição instintiva,
Porque o mar também é terra...
Bem, vá, que tudo isso seja símbolo...
Mas que símbolo é, não o sol, não a lua, não a terra,
Mas neste poente precoce e azulando-se
O sol entre farrapos finos de nuvens,
Enquanto a lua é já vista, mística, no outro lado,
E o que fica da luz do dia
Doura a cabeça da costureira que pára vagamente à esquina
Onde se demorava outrora com o namorado que a deixou?
Símbolos? Não quero símbolos...
Queria — pobre figura de miséria e desamparo! —
Que o namorado voltasse para a costureira.
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Por todos os lados estamos cercados, rodeados, envolvidos por  símbolos. Os historiadores se valem da analise dos signos para escrever seus trabalhos, lançam mão do que chamam de "paradigma indiciário" e citam Carlo Ginzburg em seu celebre livro "Mitos, emblemas e sinais",  mesmo eu costumo lançar mão desse autor para validar alguns tipos de analises. 

Dizem os historiadores que mesmo a arte é um signo, um indicio a ser lido, que, por exemplo,  os textos literarios falam sobre o escritor, a cultura que produziu e a sociedade na qual ele vive e que isso vai além da poesia, da crônica, do romance e tudo o mais. Para além de nos embriagar-mos com a beleza da arte produzida por quem sabe manejar a palavra, a tinta,  a argila e etc... podemos com ela compreender o mundo de quem escreve, pinta, modela e isso é grande, é nobre, é lúcido e garante a possibilidade de que a história seja preservada e recontada por aqueles que não a viveram.

No entanto, a parte o fato de me embriagar nos símbolos que a arte produz,  quando me vejo diante de alguns deles não posso evitar a pergunta  de Fernando Pessoa: "que espécie de símbolo é uma costureira desamparada demorando-se em um lugar onde outrora ficava com o namorado que a deixou?", embora essa figura do desamparo componha um quadro digno de ser visto em sua beleza dramática, sempre penso que melhor seria ver o quadro vulgar e comum do namorado voltando para a costureira e o tradicional "Felizes para sempre!".

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